Segunda-feira, 27 de Fevereiro de 2012
IN MEMORIAM:

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos

(Aveiro, 2 de Agosto de 1929 – Setúbal, 23 de Fevereiro de 1987)

 

“…São os mordomos do universo todo
Senhores à força, mandadores sem lei
Enchem as tulhas bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei.

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada"

(Os Vampiros  –  José Afonso)

 

Passados vinte e cinco anos, sobre o dia em que o Zeca deixou de estar fisicamente em nossa companhia, escrevo esta pequena reflexão com um misto de emoção e revolta.

Emoção pelo que representa este ícone de luta pela liberdade, contra o fascismo, contra o conservadorismo moral, cultural e político. Contra o conformismo “… o que é preciso é criar desassossego, …, agitar, não ficar parado, ter coragem…”.

Revolta porque, calada a voz incómoda, aqueles que o ostracizaram adoçam agora as tensões, esquecem o provocador incómodo, mascaram a perseguição a que o votaram e até o tomam como um exemplo. Tanta hipocrisia! Quanto artifício!

Entre sensações de alívio e tranquilidade balbuciam frases pré concebidas de falsa homenagem, tentando emoldurar a memória dum lutador numa cordialidade institucional que ele sempre rejeitou.

Não posso deixar que o Zeca que conheci pessoalmente em 1974 e a cujo derradeiro concerto ao vivo assisti, no Coliseu dos Recreios, seja absorvido e “domesticado” por aqueles que combateu com tanta convicção, coragem e vigor.

José Afonso foi um dinamizador do inconformismo: “Quando as pessoas param, há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político, como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os álibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta. … Nós, neste país, somos tão pouco corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de «homenzinhos» e «mulherzinhas». Temos é que ser gente, pá!”.

“…

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta é empurrar a malta
Quando um homem dorme na valeta
Quando dizem que isto é tudo treta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta é libertar a malta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta é dar poder a malta
…”

Este é que é, e sempre será o Zeca Afonso. Por isso mesmo continua vivo entre os que continuam a sua luta e que, como ele, nunca se deixarão “apanhar” na rede do conformismo.

“Traz outro amigo também”.



publicado por livrecomoovento às 03:02
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Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2012
ESTUDO DE UNIVERSIDADE CANADIANA

A ideia é provocar mesmo a polémica.

 

Pessoas de esquerda são mais inteligentes que as de direita

Um polêmico estudo canadense que inclui dados coletados por mais de 50 anos, diz que as pessoas com opiniões políticas de direita, tendem a ser menos inteligentes do que as de esquerda. Ao mesmo tempo, adverte que as crianças de menor inteligência tendem a desenvolver pensamentos racistas e homofóbicas na idade adulta.

A pesquisa foi realizada por acadêmicos da Universidade Brock, em Ontário, e coletou a informação em mais de 15 mil pessoas, comparando o seu nível de inteligência encontrado na infância com os seus pensamentos políticos como adultos.

Os dados analisados ​​são dois estudos no Reino Unido em 1958 e 1970. Eles mediram a inteligência das crianças com idade entre 10 e 11 anos. Em seguida, são monitorados para descobrir suas posições políticas após 33 anos de idade.

“As habilidades cognitivas são fundamentais na formação de impressões de outras pessoas e ter a mente aberta. Indivíduos com menores capacidades cognitivas gravitar em torno de ideologias conservadoras que mantêm as coisas como elas são, porque isso as fornece um senso de ordem”, dizem no estudo publicado no Journal of Psychological Science.

Segundo as conclusões da equipe, as pessoas com menor nível de inteligência gravitam em torno de pensamentos de direita, porque esse os faz sentir mais seguros no poder, o que pode se relacionaa com o seu nível educacional, inclui o jornal britânico.

Mas esta não é a única conclusão a que chegou o estudo.
Analisados dados de um estudo de 1986 nos Estados Unidos sobre o preconceito contra os homossexuais, descobriu-se que pessoas com baixa inteligência detectado na infância tendem a desenvolver pensamentos ligados ao racismo e homofobia.

“As ideologias conservadoras representam um elo crítico através do qual a inteligência na infância pode prever o racismo na fase adulta. Em termos psicológicos, a relação entre inteligência e preconceitos podem ser derivadas de qual a probabilidade de indivíduos com baixas habilidades cognitivas apoiarem com ideologias de direita, conservadoras, porque eles oferecem uma sensação de estabilidade e ordem “, acrescentou.

“No entanto, é claro que nem todas as pessoas pessoas prejudicadas são conservadoras”, disse a equipe de pesquisa.

.

Quem quiser conferir a entrevista na revista Psychology Today pode acessar o link (em inglês).



publicado por livrecomoovento às 12:18
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Segunda-feira, 13 de Fevereiro de 2012
Privatizar o Lucro e Socializar o Prejuízo - Eis a direita no seu melhor

PRIVATIZAR TUDO O QUE POSSA DAR LUCRO

É O FUNDAMENTALISMO DA DIREITA

 

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

José Saramago – Cadernos Lanzarote, Diário III

 

A onda privatizadora está na moda. De forma voraz, este governo, assumidamente de extrema-direita, pretende levar o país à bancarrota, transferindo os nossos melhores recursos para as mãos dos especuladores financeiros. A riqueza aumenta desmesuradamente nas mãos de alguns gananciosos, fruto da privatização dos lucros enquanto, socializando os prejuízos, remete para a miséria quem, com o seu trabalho, contribui para a sobrevivência de Portugal.

Aplicando sempre a mesma receita restritiva sobre quem trabalha – mais impostos e ataques aos direitos que, com sangue e lágrimas, durante séculos, foram conquistados –, as sucessivas crises do capitalismo globalizado conduzem sempre à mesma solução: mais sacrifícios e mais impostos.

Os sinais do que serão as nossas empresas emblemáticas depois de privatizadas - como os CTT - estão aí: uma carta demorou 12 dias entre Ponta Delgada e Lagoa, quase provocando a falta de comparência dum peticionário para ser ouvido em comissão parlamentar; nas redes sociais, as pessoas demonstram a sua estranheza e indignação por correspondência oriunda do Continente ou de outras Ilhas demorar mais tempo do que a que recebem do estrangeiro.

Este permanente desbaratar de empresas públicas, indispensáveis ao bom funcionamento da economia e a uma redistribuição mais equitativa da riqueza produzida conduz, deliberadamente, à insustentabilidade financeira da saúde pública, do acesso ao ensino, da protecção na doença e no desemprego, no apoio social aos agregados familiares mais carenciados.

Deliberadamente, são espartilhadas empresas, monopólios naturais, em áreas estruturantes como a energia, as comunicações, a distribuição pública de água, os combustíveis e a banca. Criam-se administrações - oferecidas a amigos - ociosas, incompetentes e escandalosamente pagas, com o intuito de tornar essas mesmas empresas financeiramente inviáveis. Todos nós pagamos os prejuízos. O governo privatiza as rentáveis a preço de saldo e mantém na sua esfera as que, sendo imprescindíveis, não interessam aos privados.

Todo este esquema, diabolicamente concebido pela direita especuladora, entrega o poder económico e financeiro na mão de privados gananciosos cujo objectivo é o lucro fácil e a curto prazo. O Estado perde as suas fontes de receita provenientes dos lucros e, ainda, permite que os agiotas recebam dividendos por conta de resultados obtidos quando nem eram donos das empresas. Por outro lado, é sobejamente conhecida a malabarice financeira que se segue, transferindo os lucros para paraísos fiscais e criando esquemas de fuga ao fisco. Somos, assim, duplamente penalizados.

É com estas jogadas que os governos de direita nos querem fazer regredir ao tempo do feudalismo, do trabalho à jorna, do pedir esmola com uma mão enquanto se descobre a cabeça com a outra, em sinal de subserviência. Embalam-nos com a inevitabilidade enquanto esquartejam os pilares da democracia e a sustentabilidade financeira do Estado enquanto garante dos direitos e da equidade social.

 

Publicado no jornal INCENTIVO



publicado por livrecomoovento às 00:58
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Domingo, 12 de Fevereiro de 2012
COISAS QUE NÃO NOS EXPLICAM

Uma questão que muitas vezes nos colocamos e raramente vemos explicada pelos ''media'':
 PORQUE ASSUME A ALEMANHA ESTAS POSIÇÕES QUE TÃO DANOSAS TÊM SIDO PARA NÓS?
 No inicio dos anos 90 do séc. XX, o preço do trabalho na Alemanha sofreu um abaixamento, que se reflectiu na acumulação de capital por parte dos investidores. Esse capital tinha que ser investido para gerar lucro.
 Foi então encontrada uma forma de se matar dois coelhos de uma cajadada só: emprestava-se aos países do sul da Europa e o retorno vinha não apenas atravès do pagamento da divida e respectivos juros, mas também com a utilização de parte desses emprestimos para escoar as exportações. Os portugueses, só a titulo de exemplo, estavam sequiosos de automóveis alemães.
 Se a ganancia dos ''mercados'' ( maioritariamente bancos alemães e franceses) não tivesse provocado esta crise, tudo estaria a correr bem...para os alemães, neste caso. Esta crise que agora vivemos poderia ter sido adiada por mais um ou dois pares de anos e nós estaríamos por esta altura ainda a correr alegremente para o abismo, continuamente enganados pelos governantes do costume.
 Ora aconteceu que a crise rebentou e antes que o próprio sistema implodisse, foi decidido que se aplicava uma receita de sacrificios aos povos, que ia permitir aos bancos credores absorver gradualmente os impactos das perdas e conseguirem sobreviver. Eles tinham feito as contas e sabiam que era impossivel os países devedores honrarem os seus compromissos por muito mais tempo. O que nem eles próprios esperavam era que a receita fosse tão bem aceite no caso português, e então decidiram que se calhar até podiam recuperar o seu capital acrescido de uma excelente margem de lucro.

 

Publicado por "MUDAR BANCÁRIOS":



publicado por livrecomoovento às 21:58
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Sábado, 11 de Fevereiro de 2012
O governo-feitor

Este Governo relaciona-se com o País como feitor das autoridades coloniais.



publicado por livrecomoovento às 14:05
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Terça-feira, 7 de Fevereiro de 2012
QUAL É O NOSSO VALOR DE MERCADO?

 

 

Francisco Queirós

http://www.asbeiras.pt/2012/01/qual-e-o-teu-valor-de-mercado/

 

"Qual é o teu valor de mercado, mãe? Desculpa escrever-te uma pequena carta, mas estou tão confuso que pensei que escrevendo me explicava melhor.

Vi ontem na televisão um senhor de cabelos brancos, julgo que se chama Catroga, a explicar que vai ter um ordenado de 639 mil euros por ano na EDP, aquela empresa que dava muito dinheiro ao Estado e que o governo ofereceu aos chineses.

Pus-me a fazer contas e percebi que o senhor vai ganhar 1750 euros por dia. E depois ouvi o que ele disse na televisão. Vai ganhar muito dinheiro porque tem o seu valor de mercado, tal como o Cristiano Ronaldo. Foi então que fiquei a pensar. Qual é o teu valor de mercado, mãe?

Tu acordas todos os dias por volta das seis e meia da manhã, antes de saíres de casa ainda preparas os nossos almoços, passas a ferro, arrumas a casa, depois sais para o trabalho e demoras uma hora em transportes, entra e sai do comboio, entra e sai do autocarro, por fim lá chegas e trabalhas 8 horas, com mais meia hora agora, já é noite quando regressas a casa e fazes o jantar, arrumas a casa e ainda fazes mil e uma coisas até te deitares quando já eu estou há muito tempo a dormir.

O teu ordenado mensal, contaste-me tu, é pouco mais de metade do que aquele senhor de cabelos brancos ganha num só dia. Afinal mãe qual é o teu valor de mercado? E qual é o valor de mercado do avozinho? Começou a trabalhar com catorze anos, trabalhou quase sessenta anos e tem uma reforma de quinhentos euros, muito boa, diz ele, se comparada com a da maioria dos portugueses. Qual é o valor de mercado do avô, mãe? E qual é o valor de mercado desses portugueses todos que ainda recebem menos que o avô? Qual é o valor de mercado da vizinha do andar de cima que trabalha numa empresa de limpezas?

Ontem à tardinha ela estava a conversar com a vizinha do terceiro esquerdo e dizia que tem dias de trabalhar catorze horas, que não almoça por falta de tempo, que costumava comer um iogurte no autocarro mas que desde que o motorista lhe disse que era proibido comer nos transportes públicos se habituou a deixar de almoçar. Hábitos!

Qual é o valor de mercado da vizinha, mãe? E a minha prima Ana que depois de ter feito o mestrado trabalha naquilo dos telefones, o "call center", enquanto vai preparando o doutoramento? Ela deve ter um enorme valor de mercado! E o senhor Luís da mercearia que abre a loja muito cedo e está lá o dia todo até ser bem de noite, trabalha aos fins de semana e diz ele que paga mais impostos que os bancos?

Que enorme valor de mercado deve ter! O primo Zé que está desempregado, depois da empresa onde trabalhava há muitos anos ter encerrado, deve ter um valor de mercado enorme! Só não percebo como é que com tanto valor de mercado vocês todos trabalham tanto e recebem tão pouco! Também não entendo lá muito bem - mas é normal, sou criança - o que é isso do valor de mercado que dá milhões ao senhor de cabelos brancos e dá miséria, muito trabalho e sofrimento a quase todas as pessoas que eu conheço!

Foi por isso que te escrevi, mãe. Assim, a pôr as letrinhas num papel, pensava eu que me entendia melhor, mas até agora ainda estou cheio de dúvidas. Afinal, mãe, qual o teu valor de mercado? E o meu?"



publicado por livrecomoovento às 01:44
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Quarta-feira, 1 de Fevereiro de 2012
Um discurso a ler

O do Bastonário da Ordem dos Advogados na cerimónia de abertura do ano judicial:

 

«Este é o quinto ano consecutivo que, em representação dos advogados portugueses, participo nesta cerimónia.

 

Os balanços que sucessivamente aqui tenho feito não foram positivos e o deste ano também o não será.

 

A situação da justiça e do país tem vindo a degradar-se, sem que se vislumbrem soluções que restabeleçam a confiança do povo português no nosso sistema judicial e no sistema político vigente.

 

A mentira, a demagogia e a irresponsabilidade foram erigidas em métodos privilegiados de actuação política.

 

As controvérsias estéreis substituíram com êxito o debate sério sobre os grandes problemas do país.

 

Vale tudo para ganhar eleições e, uma vez ganhas, logo os compromissos eleitorais são ignorados.

 

Há menos de um ano apenas, o governo de então caiu porque ousara propor medidas de austeridade muito mais suaves para o povo e para a economia do que aquelas que agora são impostas por aqueles que então se opunham a tais medidas e garantiam solenemente que nunca fariam coisa semelhante.

 

Algumas das medidas de austeridade que estão a ser impostas ao país nem sequer foram exigidas pela TROIKA nem constam do acordo com Portugal.

 

Perdeu-se todo o respeito pelos eleitores.

 

Muitas dessas medidas respondem tão só a uma agenda de interesses cuidadosamente ocultada durante os debates político-eleitorais que precederam a mudança de governo.

 

A crise também está a ser usada como pretexto para satisfazer antigas reivindicações dos sectores mais retrógrados dos nossos empresários, sobretudo daqueles que não foram capazes de se adaptar às exigências da modernidade e persistem agarrados aos arquétipos do mais primário liberalismo económico.

 

Em Portugal sempre foi mais fácil ser patrão do que ser empresário.

 

Mais fácil e mais compensador.

 

Os direitos laborais e sociais dos cidadãos deste país não são a causa desta crise nem constituem um obstáculo sério à sua superação.

 

Todavia parece que a receita para a vencer passa pelo empobrecimento generalizado da população.

 

Todos temos a percepção de que os sacrifícios que estão a ser impostos aos portugueses são desproporcionados em relação à gravidade da situação e não são equitativamente distribuídos.

 

A uns exige-se mais do que a outros e, em muitos casos, aqueles a quem mais se exige não são, seguramente, os que mais podem contribuir.

 

O povo português está no limite das suas capacidades e começa a dar sinais preocupantes de não suportar mais sacrifícios.

 

Há, de facto, um limite para os sacrifícios e esse limite já foi ultrapassado sem que, aparentemente, os nossos governantes se preocupem com isso.

 

Um perigoso sentimento de revolta está a generalizar-se em vastos sectores da população, não tanto devido ao peso das medidas de austeridade que lhes são impostas mas sobretudo pelo sentimento de injustiça que provocam.

 

Nem todos contribuem para a superação da crise e, principalmente, nem todos contribuem segundo as suas capacidades.

 

Há sectores e entidades que se isentaram dos sacrifícios, sem qualquer justificação aceitável à luz dos mais elementares princípios de igualdade e de equidade.

 

Não se compreende por que é que os funcionários públicos hão de ser mais sacrificados do que os outros sectores da população e, sobretudo não se compreende por que é que dentro da função pública há de haver sectores que ficam isentos de algumas medidas de austeridade e outros não.

 

Sejamos claros e justos: se é em respeito pela independência do Banco de Portugal que os quadros e funcionários desta instituição não serão obrigados a prescindir dos subsídios de férias e de Natal, então por que é que não se aplica o mesmo critério a outros órgãos do estado onde a independência é também um requisito para bom desempenho das suas funções?

 

Haverá entidade onde a independência seja mais necessária do que nos Tribunais?

 

Então por que é que os magistrados não tiveram tratamento idêntico ao dos quadros e funcionários do Banco de Portugal?

 

A independência do Banco de Portugal é mais importante para o governo do que a independência dos tribunais?

 

Por outro lado, as mesmas castas de privilegiados continuam a auto-isentar-se de sacrifícios e, mais do que isso, continuam a banquetear-se indiferentes aos sacrifícios impostos ao povo português.

 

As gigantescas remunerações que gestores transformados em políticos e políticos transformados em gestores se atribuem uns aos outros em lugares e cargos para que se nomeiam uns aos outros constituem nas circunstâncias actuais uma inominável agressão moral a quem, muitas vezes, é obrigado a cortar na satisfação de necessidades essenciais.

 

Há gestores de empresas, algumas delas até há pouco controladas pelo estado, que ganham num ano aquilo que a maioria da população só conseguiria se trabalhasse mais de um século ininterruptamente.

 

E isso, pressupondo que auferia um ordenado de mil euros mensais, pois aqueles cujas remunerações estão mais próximas do salário mínimo teriam de trabalhar mais de duzentos anos, consecutivamente, para conseguir o mesmo rendimento.

 

As nomeações para cargos públicos de amigos e familiares, de familiares de amigos e de amigos de familiares multiplicam-se escandalosamente, criando no aparelho de estado um gigantesco polvo clientelar cujos tentáculos se estendem já a empresas privadas onde o governo detém influência política.

 

Por outro lado, continua-se a alienar património público, em alguns casos com enorme valor estratégico para o interesse nacional, com o argumento de que o estado não deve estar na economia.

 

Mas, estranhamente, essa alienação em alguns casos é feita a empresas propriedade de outros estados.

 

Ou seja, o estado português não pode deter participações em empresas portuguesas mas se for um estado estrangeiro já pode.

 

Na área da justiça, está a seguir-se uma política errática marcada pelo populismo e por uma chocante incapacidade de responder adequadamente aos principais problemas do sistema judicial.

 

O governo parece mais preocupado em responder na comunicação social às notícias sobre os problemas da justiça do que em encontrar verdadeiras soluções para eles.

 

O processo de desjudicialização, iniciado há vários anos, está a ser acelerado pelo actual governo com vista a retirar a justiça dos tribunais para instâncias não soberanas e até para entidades privadas cujo escopo é o lucro.

 

Este governo está declaradamente empenhado em criar condições para que em torno da justiça floresça o mesmo género de negócios privados que outros governos criaram em torno da saúde, com destaque para essa justiça semi-clandestina que são os tribunais arbitrais em que as partes escolhem e pagam aos pseudo-juízes.

 

Essa justiça privada já é legalmente obrigatória para certos litígios, impedindo-se as partes de acederem aos tribunais do estado.

 

Além disso, o anunciado encerramento de cerca de meia centena de tribunais em todo o país insere-se nessa estratégia de desjudicialização.

 

A partir de agora, as pessoas, além das elevadas custas judiciais que lhes são exigidas, além de todas as dificuldades que lhes são levantadas para aceder à justiça, ainda terão de percorrer, em certos casos, centenas de quilómetros para se deslocarem a um tribunal, sendo que em algumas regiões precisarão de dois dias para isso, caso recorram exclusivamente a transportes públicos.

 

Com essas medidas, os tribunais deixarão de ser símbolos da soberania e da autoridade do estado, deixarão de ser o símbolo da justiça e da paz social, para serem apenas meras peças que burocratas e políticos sem sentido de estado movem nos tabuleiros das políticas conjunturais.

 

É preciso proclamar bem alto que as pessoas do interior do país devem ser tratadas de acordo com os imperativos da dignidade humana e não como números dos gráficos contabilísticos.

 

É preciso proclamar bem alto que a justiça não é um bem de mercado e não pode ser gerida segundo as leis da oferta e da procura.

 

A necessidade de justiça não é elástica e, portanto não pode comprimir-se ou expandir-se com sucede com qualquer mercadoria.

 

Os pequenos concelhos do interior do país têm tanto direito a ter um tribunal como as grandes cidades do litoral.

 

A justiça, sobretudo a justiça penal, tem de ser administrada nas comarcas onde ocorreram os factos típicos, pois de outra forma não se realizarão cabalmente as finalidades de prevenção geral e de pacificação social.

 

A justiça não pode abandonar o interior do país, pois isso representaria um perigoso retrocesso civilizacional e uma perigosa limitação política no acesso aos tribunais.

 

Por outro lado, anunciam-se, a um ritmo frenético, alterações legislativas a alterações legislativas feitas por outros governos.

 

Um delírio populista apossou-se do legislador.

 

De repente descobriu-se a fórmula mágica que vai acabar com a impunidade absoluta da corrupção, que vai eliminar os expedientes dilatórios e vai pôr fim aos atrasos processuais.

 

Finalmente os criminosos vão ser todos apanhados - pelo menos por câmaras de filmar - e os crimes até já nem vão prescrever.

 

A investigação criminal deixará de se preocupar com a recolha de provas materiais dos crimes (que dá trabalho e custa dinheiro) para se orientar apenas ou preferencialmente para a obtenção de confissões – esse meio de prova que tão bons resultados deu na Inquisição, nos processos de Moscovo e nos tribunais plenários do Estado Novo.

 

Os tribunais passarão a poder condenar um arguido não pelo que ele disser em julgamento perante o julgador mas pelo que ele tiver dito aos acusadores durante as investigações.

 

Os juízes deixarão de se preocupar apenas com os julgamentos e com a condenação ou absolvição dos acusados e passarão, eles próprios, a preocuparem-se com a investigação dos crimes e a acusação dos suspeitos.

 

Com este governo os juízes deixarão de ser apenas julgadores e serão também procuradores e polícias, pois passarão a poder aplicar, durante o inquérito, medidas de coacção e de garantia patrimonial mais graves do que as requeridas pelo próprio Ministério Público, incluindo a prisão preventiva.

 

O governo pretende que, mesmo quando, durante o inquérito, os investigadores não considerem a prisão preventiva de um suspeito necessária ou útil para as investigações, o juiz a possa decretar por mero arbítrio pessoal.

 

Assim, o juiz de instrução, em vez de constituir uma garantia para os direitos dos cidadãos, transformar-se-á numa ameaça a esses direitos; em vez de impedir os abusos persecutórios dos investigadores, passará a exacerbá-los ainda mais; em vez de ser o juiz das liberdades passará será um juiz-polícia.

 

Com as alterações que se anunciam no domínio do processo penal vai aumentar ainda mais o caos nos nossos tribunais, pois nenhum sistema judicial poderá funcionar na selva legislativa em que vivemos.

 

E o mesmo se passa com o processo civil para onde se pretende transferir os paradigmas processuais do direito público.

 

Num processo de partes pretende-se eliminar o princípio dispositivo em benefício de um triunfante princípio inquisitório mecanicisticamente transposto do processo penal.

 

Há, em Portugal - todos o sabemos - uma justiça para ricos e outra para pobres.

 

Mas, ao contrário de certos discursos populistas, isso não deriva, do facto de os ricos serem privilegiados nos nossos tribunais, mas sim da circunstância de aos pobres não estar garantida uma efectiva protecção jurídica nomeadamente no que se refere ao direito de defesa em processo penal.

 

O mal da nossa justiça não está no facto de os ricos defenderem com relativo sucesso os seus direitos e interesses em tribunal, mas sim no facto de os pobres não o poderem fazer porque o estado não lhes garante condições para isso.

 

Porém, agora, pretende-se acabar com essa desigualdade, nivelando a justiça por baixo, ou seja, generalizando a justiça dos pobres.

 

Durante décadas, os cidadãos mais carenciados foram defendidos preferencialmente por advogados estagiários sem qualificações profissionais para proporcionar uma efectiva defesa aos arguidos, e mesmo por defensores ad hoc que nem sequer tinham formação jurídica, como acontecia frequentemente com o recurso a funcionários judiciais chamados para fazerem de Advogados em audiências de julgamento.

 

Uns e outros limitavam-se, em regra, a oferecer o merecimento dos autos e a pedir justiça, abandonando os arguidos ao arbítrio dos magistrados.

 

Nesse tempo ninguém falava em alterar o sistema de apoio judiciário; ninguém se preocupava com essa indignidade; nenhum magistrado se pronunciava publicamente contra essa ignomínia.

 

Porém, agora que, graças à acção da Ordem dos Advogados, esse modelo foi alterado no sentido de dignificar e tornar efectivo o direito de defesa, todos os dias aparece alguém a propor alterações.

 

O apoio judiciário até já foi tratado no congresso de um sindicato de magistrados.

 

Alguns juízes querem que a defesa dos cidadãos mais desfavorecidos seja efectuada por funcionários ou por juristas avençados, os quais, como é óbvio, logo poriam os seus interesses próprios acima dos direitos dos seus representados.

 

Num tal cenário, haveria, obviamente, menos recursos, menos contestações, menos testemunhas para inquirir, menos diligências de prova a realizar e, obviamente, mais confissões; haveria mais vantagens para o defensor/funcionário e para os magistrados e mais prejuízos para os cidadãos.

 

Há muita gente empenhada em aliciar os advogados oficiosos para as vantagens do estatuto de funcionário.

 

A campanha de descrédito que o próprio governo tem levado a cabo contra os advogados que trabalham no âmbito do sistema de acesso ao direito e os atrasos nos pagamentos dos respectivos honorários são sintomas claros de um chocante desrespeito pelos direitos das pessoas economicamente mais desfavorecidas.

 

Portugal é um dos países da União Europeia que menos gasta em apoio judiciário, mas o governo ainda quer gastar menos – obviamente, degradando ainda mais essa dimensão essencial do estado de direito.

 

Segundo o Conselho da Europa, o estado português gasta em apoio judiciário uma média de 331 euros por processo, o que constitui o montante mais baixo de praticamente todos os países da antiga Europa Ocidental, bem distante, por exemplo, da Suíça (que gasta 1.911 euros por processo), da Irlanda (1.423 €), Inglaterra e País de Gales (1.131 €), da Holanda (1.029 €), da Itália (737 €), do Luxemburgo (714 €), da Finlândia (663 €) e da Escócia (537 €), entre outros.

 

Abaixo do nosso país só estão a Arménia, a Bulgária, a Estónia, a Geórgia, a Hungria, a Lituânia, a Moldávia, o Montenegro, a Rússia, a Turquia e São Marino.

 

Apesar do sombrio diagnóstico que acabo de traçar, nem tudo está mal na justiça portuguesa.

 

Quero aqui, elogiar publicamente a acção do Tribunal Constitucional pelo insubstituível trabalho que tem realizado na defesa da Constituição da República Portuguesa.

 

Há momentos em que ficar calado é mentir.

 

E eu mentiria, hoje e aqui, se em nome dos Advogados portugueses, não prestasse homenagem a todos os magistrados que exercem funções no Tribunal Constitucional e que, recatadamente, quase com humildade, recusando os protagonismos fáceis que outros tanto procuram, vão cumprindo a sua difícil função de fazer respeitar a Constituição e, assim, reforçar e prestigiar o estado de direito.

 

Se a Assembleia da República é a casa da Democracia o Tribunal Constitucional, por mérito próprio, é o coração do estado de direito pois é aí que palpitam algumas das suas dimensões fundamentais.

 

Sem o Tribunal Constitucional o estado de direito estaria mais fragilizado e a democracia seria muito menos saudável.

 

Sem ele a Constituição da República, muito provavelmente, não passaria de uma folha de papel.

 

Por fim, quero dirigir uma palavra de despedida ao Sr. Procurador-Geral da República, pois, creio que é a última vez que, nessa qualidade, participa nesta cerimónia.

 

V. Exa. É um magistrado judicial que ao longo de mais de 40 anos de carreira honrou a magistratura portuguesa e dignificou a justiça e os tribunais.

 

Em mais de cinco anos como Bastonário da Ordem dos Advogados, nunca encontrei nenhum colega que consigo tivesse trabalhado nas várias comarcas do país aonde prestou serviço que não me elogiasse as suas qualidades de magistrado, mas também de carácter e, sobretudo, o respeito com que sempre tratou os Advogados.

 

V. Exa. nunca precisou de fazer exibições de poder para ser respeitado pelos Advogados com quem trabalhou.

 

São assim os grandes magistrados.

 

Como PGR, V. Exa. sempre teve um relacionamento exemplar com a Ordem dos Advogados e comigo próprio, muito acima das divergências e diferenças de opinião sobre os problemas da justiça.

 

Por tudo isso, aqui lhe tributo publicamente, a homenagem e o respeito da Advocacia portuguesa.

Com a sua jubilação, Sr. Procurador-Geral da República, estou certo que a justiça portuguesa vai ficar mais pobre.»



publicado por livrecomoovento às 20:23
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