Tive a oportunidade de tecer vários considerandos sobre as expetativas do desempenho deste Governo Regional, presidido pelo Dr. Vasco Cordeiro. Em dois artigos – “Novo Governo Vida Nova” e “Novo Governo Outra Política” – enderecei-lhe os meus cumprimentos e expressei a minha sincera esperança de que algo iria mudar para melhor, face à vontade de diálogo então propalada mas que, agora, na prática, se revela de muito deficiente concretização.
Ilusoriamente convencido atrevi-me mesmo a escrever: “…tenho fundada esperança que desta vez é que vai ser, tanto mais que a situação já se encontra de tal forma insuportável que terá de ser rapidamente resolvida. Peço-lhe, Sr. Presidente, ouça as pessoas - não só algumas pessoas - e, muito menos, só, aquelas com interesses pessoais...”.
Infelizmente, foi “sol de pouca dura” esta minha vã esperança. Afinal, o discurso não passou da promessa de boas intenções, como de “boas intenções” também não passou o rol enunciado ao longo das 203 páginas do seu Programa de Governo que culminou na “austeridade fofinha” proposta e estranhamente, ou não, viabilizada com a abstenção violenta (onde é que já ouvi isto?) do PSD.
Continuamos a ter um discurso inflamado contra a austeridade violenta da República a par dum paleio fofinho que amortece as malfeitorias da austeridade regional. Na prática, com Sócrates, Passos, César ou Vasco vamos ter a mesma política financeira, as mesmas opções económicas, os mesmos cortes no ensino, nos apoios sociais, na saúde e no trabalho.
Os contratos com grupos económicos e as parcerias público-privados que mais não fazem do que sugar os nossos recursos financeiros, permanecem intocáveis; mas os contratos de trabalho de quem contribui para a economia podem ser violados; os contratos com bolseiros de investigação, cujos resultados têm levado o nome Açores por toda a comunidade científica mundial, podem ser adulterados. Os apoios ao ensino privado continuam, mas, no público, despedem-se profissionais de ensino e aumenta-se o número de alunos por sala de aula.
Uma vez que o nível de desemprego nos Açores não pára de crescer, vamos começar a perceber, como já alguém disse por outras palavras, que a nossa necessidade de arranjar emprego está acima das nossas possibilidades e que, até, a nossa necessidade de comer também se encontra no mesmo patamar.
Não se criam condições concretas para contrariar a recessão, promovendo emprego através da requalificação e recuperação do edificado urbano; apenas se papagueiam boas intenções. No entanto, continuamos a esbanjar dinheiro em campanhas dirigidas a um turismo maciço que não nos procura e a apoiar projetos megalómanos, condenados ao fracasso, que só beneficiam as grandes empresas, enquanto os pequenos empreiteiros locais encerram a sua atividade e vão para o desemprego junto com os seus trabalhadores.
Sabemos que não é notícia o encerramento dum grupo de trabalho com cinco ou seis trabalhadores. Notícia é a ameaça de despedimento duma centena de trabalhadores numa empresa com outra dimensão. Esquecem-se, porém, que a junção das várias falências, em diversas ilhas, representa muito mais desemprego, mesmo não sendo notícia.
Destacados dirigentes do PS vociferam contra o roubo perpetrado nos subsídios de Férias e Natal, mas nada fizeram, nem fazem para repor esse dinheiro na dinamização da economia regional. Acusam o Governo PSD/CDS de cortar no direito à saúde, o que é verdade, mas praticam o mesmo genocídio, de forma fofinha nos Hospitais e Unidades de Saúde dos Açores.
Convocam reuniões, de que fazem grande alarido promocional, para discutir e recolher propostas e opiniões dos parceiros sociais e forças políticas, mas, afinal, as ditas servem apenas para informar do que já está a ser implementado, e mal implementado, segundo as opiniões desses mesmos parceiros. E chamam a isto, diálogo?! Faz-me lembrar o requentar da prática do Subsecretário das Pescas do anterior governo que falava com os pescadores, não para auscultar as suas opiniões, mas para lhes impor as suas decisões. Parece que o estilo “fez escola”.
O Governo Regional, em concorrência com Passos Coelho, até pretende refundar, ainda não o Estado, mas o conceito de “Orçamento de Base Zero” já que, em vez de orçamentar o financiamento real das necessidades, em substituição da atualização percentual, deturpa o seu princípio, reduzindo as necessidades a zero para que não seja necessária a sua dotação financeira.
Este Governo Regional não está a trilhar um bom caminho: critica violentamente a política económica e financeira da República que, na prática, aplica com palavras fofinhas nos Açores.
(Publicado no jornal INCENTIVO, 2012/03/25)
OU DE COMO A LÍNGUA PORTUGUESA É TRAIÇOEIRA
“Que Cavaco era um leitor atento e exigente já nós sabíamos desde que, para espanto da academia em geral e da academia sueca em particular, criticou os livros de Saramago por terem demasiadas vírgulas. Desta vez, o crítico desviou a sua atenção da pontuação para as preposições. Onde se lê um "de", deve ler-se um "da". Não é apenas a preposição "de" que deve estar na lei, é a contração da preposição "de" com o artigo definido "a". A mudança implica o seguinte: se um presidente "de" câmara não pode recandidatar-se depois de três mandatos, a sua carreira autárquica acaba; mas um presidente "da" câmara não pode recandidatar-se apenas à câmara específica a que preside. Pode recandidatar-se à do lado. Ou a outra qualquer. Há 23 letras no alfabeto, mas Cavaco indicou a única que podia beneficiar os dinossáurios autárquicos.” (Ricardo Araújo Pereira)
Entendeu Cavaco Silva que remeter-se à contenção de opiniões era a melhor forma de ajudar o governo a cumprir os seus objetivos. Compreende-se que o pretenso representante de todos os portugueses queira apadrinhar e proteger os seus sequazes políticos. Compreende-se, mas não é aceitável atendendo ao cargo para que foi eleito. Mas, mais inaceitável é ser abusivamente reincidente em atitudes extemporâneas – relembro a gravíssima comunicação ao País sobre o nosso Estatuto Autonómico – sempre numa postura de menorização dos respetivos visados.
Pode parecer anedótico, não fora a gravidade do assunto, que a criatura interrompa a sua letargia para emitir um parecer que vem, principalmente, favorecer mais alguns dos seus correligionários. É vulgar o uso e abuso destes subterfúgios para absolver criminosos, ilibar corruptos e tornear os meandros da legislação concebida com a intenção de favorecer quem tenha mais poder financeiro. É só mais um aspeto da constante luta pelo poder que os mesmos, sempre os mesmos, os chamados “Donos de Portugal” permanentemente travam para manter o domínio financeiro e político do País.
É vulgar a expressão “a língua portuguesa é traiçoeira” quando, brincando com os múltiplos significantes duma palavra se distorce o sentido duma frase, atribuindo-lhe um significado diferente. Esta faculdade da língua portuguesa permite uma criação literária diversa e intelectualmente rica. Porém, como toda a evolução tecnológica, a linguística pode tornar-se perversa quando usada com deliberada má intenção.
Uma velha anedota refere um indivíduo que, deslocando-se de comboio entre o Porto e Lisboa, tentou entabular conversa com o passageiro a seu lado perguntando-lhe: “O senhor vai para Lisboa?”, a que o referido passageiro respondeu com altivez: “Eu não vou para Lisboa. Eu vou a Lisboa”. O primeiro indivíduo não gostou da resposta e ficou calado, alheando-se do parceiro de conversa. Este, para o rebaixar, pergunta-lhe então: “O senhor ficou pensativo?”, a que o primeiro respondeu: “Estava aqui a pensar se o mandava à fava ou para as urtigas”.
A intervenção de Cavaco Silva na interpretação da lei que regulamenta a recandidatura de presidentes de câmara é, em tudo, semelhante à tradicional anedota, pelo que fico indeciso se devo mandar aquela criatura à fava ou para o raio que o parta.
(Publicado no jornal INCENTIVO)
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