Terça-feira, 16 de Agosto de 2011
PROGRAMA DE EMERGÊNCIA SOCIAL, OU PROGRAMA DE SEGREGAÇÃO SOCIAL?

“… Empenhai-vos. Indignarmo-nos já não chega…”

(Stéphane Hessel)

 

Admito a necessidade dum Programa de Emergência Social, mas não o que o governo apresentou. Este é um programa de segregação social sob a capa de ajuda a pobrezinhos. Impõe-se uma crítica ideológica, económica e social ao conteúdo ideológico e às medidas económicas e sociais protagonizadas naquele programa.

É um programa ideologicamente doentio, porque inventa paliativos, cada vez mais absurdos e socialmente perigosos, de forma a protelar uma situação que requer uma mudança eficaz e duradoura.

Não venho, aqui, defender, ao contrário do que uma direita ostracizante, populista e demagoga propaga de forma intoxicante, a eternização do subsídio permanente, mas sim o direito ao trabalho para todos. Direito e dever. O direito a contribuir com o seu trabalho para a economia do País e, por outro lado, o dever de contribuir com impostos sobre os seus rendimentos para a sustentabilidade do Estado e deduções sociais para bem de todos nós. O que está em causa é a redução, não dos apoios sociais, mas da sua necessidade recorrente, por via da valorização do trabalho e a dignidade do seu exercício.

A questão dos medicamentos insere-se na mesma coerência ideológica e advém do direito à igualdade no acesso à saúde. É de rejeitar, liminarmente, esse acesso em condições privilegiadas para uns, em contraste com migalhas quase fora de prazo para outros. A minha crítica não põe em causa a margem de segurança do prazo, mas a negação dum direito em igualdade de circunstâncias. É um acto de hipocrisia. Um governo não pode propagandear o combate à desigualdade social e, simultaneamente, propor tratamentos de forma tão desigual, segregando, à partida, quem não tem poder financeiro. O governo que subentende não ter dinheiro para medicamentos tem dinheiro para pagar 550M€ a quem lhe compra o BPN por apenas 40 (só para dar este exemplo). Basta reflectir um pouco.

É ridículo que um programa de emergência não aponte para soluções, mesmo depois de identificar os problemas, e se fique, apenas, por iniciativas de adiamento. “Nuns casos dão o peixe, nos outros ensinam a pescar”, mas não falam em proporcionar a cana de pesca e os aparelhos, e é aqui que reside o âmago da questão: criar as condições necessárias para que as pessoas não necessitem que lhes dêem o peixe e sejam elas próprias a pescar. Para se obter algum êxito num objectivo a atingir, teremos que, necessariamente, acreditar nele. Sabendo, embora, que não será atingível de imediato, todas as acções em prol desse objectivo deverão pautar-se coerentemente em função dessa estratégia. Se, à partida, este programa é um paliativo, o que é que se pode esperar desta medida? Adiar o problema por mais alguns meses?

Um programa de emergência deve, obrigatoriamente, obedecer a uma estratégia. Caso contrário, andamos a “brincar aos polícias e ladrões”, ou seja a eternizar o problema. Ou será que a intenção é mesmo essa?

Quanto ao próprio programa, o que eu critico é o facto de se querer remediar quem nada tem, sempre à custa de quem tem pouco, deixando de fora quem já tem em demasia e só vai beneficiar com este tipo de medidas. Mas isto faz parte da ideologia recorrente da direita. Já não é um defeito, é mesmo feitio.

É paradoxal que a direita diga, por um lado, que não existe trabalho para dar, e, por outro, queira que os desempregados vão trabalhar de “borla”, como preconiza o Programa de Emergência Social. Decidam-se: ou há trabalho e, então, retire-se o pessoal do desemprego, contratando-o, ou, se não há trabalho, parem com a ladainha indecente dos “malandros que não querem trabalhar” e tratem mas é de dinamizar a economia para que se possam criar postos de trabalho.

Choca-me que se preconize trabalho dito de “benefício colectivo” (que expressão tão enganadora para “trabalho escravo”) a executar por beneficiários da acção social … Eu já escrevi muito sobre esta forma de encarar o trabalho, mas fá-lo-ei sempre e todas as vezes que for necessário. Uma coisa é o inalienável direito ao trabalho e o subjacente dever de exercer esse direito com dignidade. Outra coisa é trabalhar obrigado pela força (que não necessariamente a do chicote físico, há outras bem piores e humanamente degradantes). Uma coisa é sentirmos a “obrigação”(dever) de trabalhar, não só pelo facto de exercermos esse direito, mas também porque é o trabalho que produz riqueza com dignidade. Outra coisa é trabalhar de forma indigna, sem remuneração nem acordo de trabalho nem descontos para a segurança social, como se dum castigo se tratasse por não lhe ser proporcionada a oportunidade de trabalhar dignamente.

Muito se fala sobre a existência de malandros oportunistas à sombra da segurança social, eu acredito e, pessoalmente, conheço vários. Tanto daqueles que não fazem nada nem nada querem fazer porque aprenderam ou foram “empurrados” a aprender que aquelas migalhas bastam para matar a fome e os “biscates” dão o resto, para além de estarem “isentos” de impostos; como daqueles que têm várias reformas milionárias cujo principal trabalho foi, e continua a ser, “desviar” fundos (estes “senhores” não roubam – roubar é um pacote de leite no supermercado –, desviam) em proveito próprio e levar empresas à falência. Eu preocupo-me com as duas situações. Com os primeiros porque consomem alguns milhões ao erário público, embora sejam reintroduzidos na economia local, e não produzem; com os últimos porque fazem “voar” biliões para paraísos fiscais, investem dinheiro fictício (proveniente da comercialização de produtos financeiros tóxicos) para obter dividendos (esses sim, reais) irrisoriamente sujeitos (ou até isentos) de impostos. Preocupo-me com os primeiros e com a possibilidade da sua recuperação para uma vida digna e para o trabalho. Também me preocupo com os últimos, porque sei o quão difícil será a sua recuperação, uma vez que ela terá que, inevitavelmente, passar pela devolução do que roubaram e terão que “pagar” na justiça pelo mal que causaram ao País. Acredito mais na recuperação dos primeiros, mas até dava mais jeito recuperar os últimos. Era financeiramente mais rentável e dispensava imediatamente o Programa de Emergência Social.



publicado por livrecomoovento às 20:49
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